Endocrinologista avalia estudos sobre o aminoácido, que é o combustível mais importante para certas células imunológicas e pode ajudar no desempenho esportivo
Uma suplementação muito comum entre esportistas e indivíduos que buscam uma vida mais saudável é a glutamina. Ela é considerada um aminoácido não essencial, uma vez que pode ser sintetizada pelo organismo a partir de outros aminoácidos. Mas cada vez mais nos deparamos com um mercado crescente da suplementação voltado aos atletas e o público em geral. A literatura científica cresceu bastante, evidenciando diversos benefícios que alguns suplementos, como a glutamina, podem nos oferecer. De fato, nas últimas décadas os estudos sobre a l-glutamina aumentaram e, com isso, o conhecimento sobre os potenciais benefícios dela à saúde humana também cresceu, como os relacionados à função intestinal, à imunidade e à performance esportiva.
Devemos compreender que a glutamina é o aminoácido mais abundante no plasma e no músculo esquelético; ela pode ser usada para a síntese de outros aminoácidos, proteínas, nucleotídeos e várias outras moléculas biológicas. Este aminoácido é o combustível mais importante para certas células imunológicas e pode ter um efeito especial sobre a estimulação imune.
Efeitos sobre o sistema digestivo
É preciso entender um pouco sobre a barreira da mucosa intestinal para compreender como a glutamina atuará nela. É uma camada de células de revestimento do intestino que atua como uma barreira seletiva, permitindo o transporte de nutrientes dietéticos essenciais, eletrólitos e água do lúmen intestinal (espaço interno do intestino) para a circulação sanguínea e impedindo a passagem de substâncias nocivas ou indesejadas, como microrganismos e suas toxinas. A integridade da barreira intestinal é essencial para a absorção de nutrientes e para a saúde em seres humanos e animais. Alimentação desequilibrada, estresse, infecções e doenças imunológicas são exemplos de fatores que podem desregular esta barreira intestinal, aumentar a sua permeabilidade e se associar a múltiplas doenças como alergia alimentar, doença inflamatória intestinal, doença celíaca, síndrome do intestino irritável e diabetes 1.
Estudos recentes evidenciaram um papel crítico para a glutamina na mucosa intestinal. Foi relatado o aumento do crescimento intestinal, promoção da proliferação e da sobrevivência das células intestinais e regulação da função da barreira intestinal em situações de lesão, infecção, estresse e outras condições catabólicas. Ela também é capaz de regular o metabolismo de bactérias intestinais, o que se espera ter profundos impactos sobre a saúde do intestino e de todo o corpo. Evidências crescentes apoiam a ideia de que a glutamina é um aminoácido nutricionalmente fundamental para neonatos e para adultos.
Efeitos sobre imunidade
Células do sistema imunológico, como linfócitos, neutrófilos e macrófagos, utilizam glutamina em condições catabólicas, como sepse, recuperação de queimaduras ou cirurgia e desnutrição, bem como exercícios físicos de alta intensidade /volume, sendo considerada um “combustível” para o sistema imunológico, em que a baixa concentração sanguínea pode prejudicar a função das células imunes.
A barreira intestinal, quando normal, responde à invasão de bactérias principalmente através do anticorpo chamado IgA, secretado pelo tecido imunológico associado ao intestino. O IgA é secretado no trato intestinal e possui a capacidade de impedir a aderência de bactérias na mucosa, que é a etapa inicial e pré-requisito para colonização e invasão de bactérias. Produção anormal de lgA devido à invasão patológica, exposição ao estresse ou perturbação dos componentes do tecido imune prejudicará a mucosa, levando à translocação bacteriana e à perda da integridade da barreira. Um estudo de 1988 (Grant e Snyder) relatou que o uso parenteral de glutamina (administrada por via endovenosa) reverteu a diminuição da produção de IgA, sugerindo um papel crítico da glutamina na função imune intestinal. Estudos posteriores confirmaram que a administração de glutamina melhora a função da barreira intestinal e reduz a translocação bacteriana.
Efeitos na perda de peso
sabido que a microbiota intestinal desempenha um papel importante na modulação dos sistemas digestivo, endócrino e imunológico. Estudos têm mostrado que a microbiota de indivíduos com sobrepeso e obesos possui proporções diferentes dos tipos de bactérias (proporção significativamente maior de Firmicutes e menor proporção de Bacteroidetes) e esta alteração da diversidade bacteriana pode levar a consequências negativas, incluindo inflamação intestinal, alergias, infecção, câncer e distúrbios gastrointestinais. Portanto, é necessário saber como restaurar este equilíbrio bacteriano e um dos manejos estudados atualmente é a suplementação de glutamina.
Um estudo que analisou a suplementação de glutamina em animais obesos evidenciou que esta foi capaz de alterar a microbiota, diminuindo a razão Firmicutes/Bacteroidetes. Foi sugerido que os efeitos da suplementação oral com glutamina na microbiota intestinal são semelhantes aos observados na perda de peso. Portanto, ela pode ser uma aliada na restauração da microbiota e, consequentemente, na perda de peso.
Efeitos na performance esportiva
Quando falamos de performance temos que levar em consideração desempenho aprimorado, recuperação acelerada e dano muscular reduzido. Tem sido frequentemente sugerido por vários estudos que suplementos nutricionais podem aumentar o desempenho atlético e este está altamente relacionado à função muscular e síntese proteica muscular. Alguns estudos excelentes têm mostrado que a suplementação de glutamina pode aumentar o glicogênio (reserva energética), ter efeitos anticatabólicos e aumentar a absorção de água e eletrólitos. Foi demonstrada uma relação direta entre os níveis livres de glutamina no músculo e a síntese proteica muscular, sustentando o efeito anabólico da suplementação com glutamina, a qual pode potencialmente melhorar o desempenho atlético devido ao aumento da massa muscular.
Referências Bibliográficas:
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